No último dia 24, em entrevista ao jornalista Walter Félix, do site NaTelinha, Elizabeth Jhin analisou a sua saída da Globo, em 2021.
“Fui uma das primeiras a entrar na lista dos demitidos, seguindo a nova política da Globo de contrato por obra. Acredito que houve uma mudança significativa de rumos na emissora e não havia mais espaço para meu tipo de trabalho”, declarou a autora.
Responsável por títulos como Escrito nas Estrelas (2010) e Além do Tempo (2015), Jhin complementou:
“Não pretendo ter nenhum vínculo profissional com a Globo. Aliás, não pretendo mais escrever para televisão. Hoje, o escritor tem que enquadrar sua narrativa a uma série de regras ligadas a ideais políticos. São justos e necessários, mas discordo da maneira como são impostos”.
Novos tempos
Após a publicação da entrevista, houve quem relacionasse “ideais políticos” à última eleição, marcada pela polarização. O contexto, porém, aponta para a posição da emissora com relação a temas de interesse social, justos e necessários como a novelista ponderou, mas impostos de forma a comprometer a criação.
Em dezembro do ano passado, Maria Adelaide Amaral também se manifestou sobre tal questão. Em entrevista a Mauricio Stycer, então colunista do portal UOL, a autora de Anjo Mau (1997), A Muralha (2000), Os Maias (2001) e A Casa das Sete Mulheres (2003) — esta com Walther Negrão – desabafou:
“Não tinha mais aquela autonomia de propor. Estava claro que eu não tinha lugar lá”.
Antes de sair, Maria Adelaide trabalhou, à toa, na transformação da supersérie O Selvagem da Ópera em novela das seis. O texto sobre o maestro Carlos Gomes foi considerado caro demais.
Outra obra sobre música erudita foi suspensa recentemente, dias após o início da produção. Trata-se de O País de Alice, assinada por Lícia Manzo e cotada para a vaga de Elas por Elas às seis.
Sem chances
Antes de O Selvagem da Ópera e O País de Alice, a Globo engavetou duas propostas de Gilberto Braga (1945 – 2021). Com Feira das Vaidades, sobre uma vigarista e suas tentativas de figurar na alta sociedade, Braga pretendia ocupar o horário das seis. Com Intolerância, versão atualizada de Brilhante (1981), centrada na relação de uma mãe homofóbica e seu filho gay, Gilberto procurava espaço às onze.
A Globo também dispensou medalhões e novatos, mesmo os envolvidos em trabalhos bem-sucedidos – como Cao Hamburger, de Malhação – Viva a Diferença (2017). Outros, ainda contratados, não têm espaço; Ricardo Linhares e Maria Helena Nascimento estão às voltas com uma sinopse para às nove, anterior à pandemia de Covid-19, protelada desde então.
As recusas e as demissões indicam a preferência da emissora por tramas de fácil assimilação, com discussões sociais (sem pesar a mão, óbvio). Tal estilo, provavelmente, é imposto aos que ainda estão na casa.
A proposta é válida e, certamente, vai ao encontro da busca por audiência e das muitas pesquisas que a Globo realiza constantemente para guiar sua política, das abordagens dos mais variados temas ao direcionamento dado a estas. Contudo, as imposições tem tornado a dramaturgia do canal previsível e repetitiva.
Déjà vu
Como exemplo, desconsiderando o contexto, a proximidade dos perfis de Marê (Camila Queiroz) de Amor Perfeito, Sol (Sheron Menezzes) de Vai na Fé e Aline (Barbara Reis) de Terra e Paixão. As protagonistas de hoje são empreendedoras e proativas. Não há espaço para Amora Campana (Sophie Charlotte), a estrela de Sangue Bom (2013), de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari. Batalhadora, sim, mas apaixonada por dinheiro tanto quanto era por Bento (Marco Pigossi).
Diversa, mas nem tanto, a Globo tem investido em protagonistas religiosas, católicas ou evangélicas. No primeiro vídeo de Elas por Elas para as redes sociais, Adriana (Thalita Carauta) e Renée (Maria Clara Spinelli) exaltam medalhas e escapulários. Luna (Giovana Cordeiro), de Fuzuê, reza nos momentos de aflição. Vai na Fé, protagonizada pela evangélica Sol, contou com uma abordagem (breve) do candomblé. Sobre a doutrina espírita, característica das obras de Elizabeth Jhin, não se vê nada desde Espelho da Vida (2018).
A emissora também está focada em remakes. Boas histórias devem ser revisitadas, fato. Contudo, a atualização de Renascer (original de 1993), um ano e três meses após o término de Pantanal (2022), é óbvia e cômoda demais. Assim como a opção por Mário Teixeira na vaga de Lícia Manzo, às seis, com um projeto chamado internamente, de acordo com a jornalista Carla Bittencourt, do Notícias da TV, de Mar do Sertão 2. O autor vai emular o folhetim encerrado em março deste ano? Além das regravações, vamos às inspirações?
Com temas recorrentes e a opção por narrativas próximas das que estão no ar ou das que foram feitas recentemente, a Globo vive uma das fases mais acovardadas de sua dramaturgia. Os limites impostos à criação implicam no mais do mesmo – tal qual as antes concorrentes Record e SBT. É de se lamentar que a emissora prefira o comodismo à vanguarda que sempre a caracterizou.
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