A segunda versão de Pecado Capital completa 25 anos nesta quinta-feira (5). Exibida pela Globo às seis, a releitura de Gloria Perez para o clássico de Janete Clair ficou marcada pelo insucesso. Reflexo, talvez, do desacerto quanto ao horário a às escalações de Francisco Cuoco e Carolina Ferraz, que não se entendiam nem dentro, nem fora de vídeo.
Estrelada também por Eduardo Moscovis, ‘Pecado’ conta com várias curiosidades, resgatadas abaixo. Os bastidores vão desde a onda de regravações que dominou a TV na década de 1990 até os nomes que figuraram no elenco provisório. Ainda, as participações especiais e o cancelamento da reprise no Canal Viva.
Remakes e mais remakes
Nos anos 1990, todas as emissoras revisitaram títulos de sucesso no passado. O SBT reativou o departamento de dramaturgia com Éramos Seis (1994). A Band apostou em uma nova adaptação do livro Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, base de um dos maiores êxitos de Ivani Ribeiro. Na Record, a primeira novela diária da TV brasileira, 2-5499 Ocupado (1963, Excelsior), serviu de ponto de partida para Louca Paixão (1999).
Em 1997, a Globo desistiu de celebrar os 20 anos de Dancin’ Days com um repeteco em Vale a Pena Ver de Novo e determinou a atualização da trama. Gilberto Braga, também responsável pelo original, foi encarregado do trabalho. O autor, porém, almejava a faixa das oito; o canal oferecia a das seis. Diante do impasse, o projeto foi suspenso. Gilberto seguiu escalado para o primeiro horário da casa, com a segunda versão de Água Viva (1980).
Braga ainda trabalhava na sinopse, ao lado de Leonor Bassères e Sérgio Marques, quando a Globo optou pelo resgate de Pecado Capital. A rede contava com tal carta na manga desde 1992, quando os então consultores Daniel Filho e Euclydes Marinho analisaram o texto e apontaram a contemporaneidade da obra.
Gloria Perez, que colaborou com Janete Clair em sua última empreitada, Eu Prometo (1983), estava escalada para a faixa pós-Jornal Nacional quando foi convencida pelo diretor artístico Wolf Maya a topar a tarefa às seis. Os dois, parceiros em Desejo e Barriga de Aluguel, ambas de 1990, vinham da bem-sucedida minissérie Hilda Furacão (1998).
Mudanças no time
Protagonista de ‘Hilda’, Ana Paula Arósio era a eleita de Gloria para Lucinha, papel que foi de Betty Faria em 1975. Contudo, a atriz ainda estava comprometida com o SBT, que a liberou apenas para as gravações da minissérie. José Mayer e Raul Cortez também ficaram de fora. O primeiro foi remanejado para Meu Bem Querer, às sete, deixando Carlão para Eduardo Moscovis; o segundo, cotado para Salviano Lisboa, foi substituído por Francisco Cuoco – o Carlão de Janete.
Recém-saída de Por Amor (1997), com uma filha pequena e de mudança para o Rio de Janeiro, onde o então marido Mário Cohen passou a trabalhar após assumir a Central Globo de Comunicação, Carolina Ferraz relutou em aceitar a protagonista. A resistência implicou em boatos maldosos sobre a “aversão” da atriz a Moscovis, com quem formou par no folhetim de Manoel Carlos.
“Não teve nada a ver com o Du, ele é um bom ator, bom caráter. Estava apenas tentando compor meus dias de gravação”, contou ela ao jornal O Globo.
Outros tantos nomes foram cogitados… Bia Seidl foi substituída por Thaís de Campos como Vitória, primogênita de Salviano. Valter, o caçula dos Lisboa, passou de Thierry Figueira para Jiddú Pinheiro. Norton Nascimento deixou Dr. Percival nas mãos de Antônio Pompêo. Com compromissos no cinema e no teatro, Chico Diaz abdicou de Marciano, entregue a Jackson Antunes. Rafaela Fischer declinou do chamado para Dagmar, o que acarretou na estreia de Juliana Silveira, ex-assistente de palco de Angélica, em novelas.
Luciano Szafir perdeu dois papéis. O ator, deslocado para a minissérie Labirinto, foi relacionado a Nélio Porto Rico (Alexandre Borges) e Vinícius (Marcelo Serrado). A manutenção de Szafir como Nélio teria rendido uma saia-justa caso Adriane Galisteu aceitasse o convite para Gigi, namorada do publicitário. Na época, o ator ainda era namorado de Xuxa Meneghel, desafeto de Galisteu. Gigi, também cogitada para a cantora Deborah Blando, acabou com Cláudia Liz.
Escalada para Otília, Vera Holtz também saiu de cena, implicando na volta de Íris Bruzzi ao Brasil. Longe do vídeo desde Vale Tudo (1988), Íris estava instalada nos Estados Unidos quando foi acionada para ‘Pecado’.
Troca-troca
Pecado Capital também contou com trocas de posições. Guilherme Karan, requisitado para o bicheiro Boca, assumiu Jurandir, cúmplice do assalto que deflagra a narrativa – os dois milhões roubados de um banco acabam no táxi de Carlão. Oswaldo Loureiro ficou com Boca, após a recusa de Gracindo Jr, então envolvido com a direção dos episódios do Você Decide.
Marco Ricca foi de Ernani, esposo de Vitória, para Miguel, outro dos envolvidos no assalto. Floriano Peixoto respondeu por Ernani, que ganhou um filho, Rubinho, criado especialmente para o ator-mirim Luã Ubacker, que deixou o menino de rua Pastel para Diego Codazzi. Paula Hunter, também ventilada para Gigi, entrou em cena como Rose, secretária da frota de táxi de Carlão.
Por fim, Vera Fischer, que deixou Eunice para Cássia Kis quando recrutada para Meu Bem Querer. A atriz, contudo, faltou às primeiras reuniões do folhetim das sete e acabou substituída por Angela Vieira. Na ocasião, Vera ainda enfrentava problemas pessoais, como a luta contra a dependência química e a disputa de guarda do filho Gabriel com o ex-marido Felipe Camargo.
Enquanto namorada de Floriano Peixoto, Vera Fischer compareceu à festa de lançamento de ‘Pecado’. Na época, ainda em meio à recuperação, ela já contava com o convite de Manoel Carlos para Laços de Família (2000). Só que o retorno ao vídeo se deu antes do previsto: Vera acabou integrando o elenco do título das seis, na pele da Laura, irmã de Mafalda, falecida esposa de Salviano Lisboa.
Reforma
Laura foi desenvolvida por Gloria Perez para turbinar a reta final de Pecado Capital, que enfrentou problemas de audiência desde os primeiros capítulos. A média geral foi de 26,8 pontos, acima apenas dos 24,6 da sucessora Força de um Desejo (1999).
“O horário de verão é ruim para a novela das seis e, além disso, ‘Malhação’ tem-nos entregado o horário com apenas 16 pontos de audiência”, lamentou a novelista à revista Veja.
‘Pecado’ padeceu com a falta de química de Francisco Cuoco e Carolina Ferraz. Grupos de discussão apontaram o desajuste entre Lucinha e a protagonista, cuja imagem era atrelada a papéis de madame. O romance com Salviano não convencia; logo, a animosidade entre ele e Carlão, ex-noivo da moça, também não tinha razão de ser.
Lucinha ficou em segundo plano enquanto os dois pretendentes se digladiavam pela posse de terrenos. Foi neste cenário que surgiu Laura, interessada no patrimônio da irmã. Ela acabava envolvida com o cunhado e com os filhos dele – Vilminha (Paloma Duarte), por exemplo, desbloqueava as memórias ligadas à morte da mãe; ainda menina, ela foi obrigada pelo cunhado Ernani a comparecer ao velório, reagiu e acabou por feri-lo.
Veto do Ministério de Justiça
Antes da escalação para a trama, Cuoco alertou para o equívoco com relação à faixa de exibição em entrevista ao jornal O Globo:
“É uma história muito forte, marcante. Deveria ser apresentada às 20h, como na primeira vez. A picardia de ‘Pecado Capital’ não ficará bem às 18h”.
O Ministério da Justiça também questionou o horário, considerando a obra inadequada para exibição antes das 20h. À Folha de São Paulo, Mirna Fraga, então coordenadora do Departamento de Classificação Indicativa, atribuiu a restrição aos conflitos psicológicos de Vilminha e à tumultuada relação de Lucinha e Carlão.
“Acredito que houve um equívoco. O Ministério da Justiça teve acesso, como é de praxe, apenas à sinopse, pela qual não dá para saber de que forma foram abordados os assuntos”, argumentou a autora.
A Globo se comprometeu a apresentar um produto adequado ao horário, obtendo a liberação. Gloria também evitou pesar a mão. Otília, por exemplo, deixava o marido Clóvis (Pedro Paulo Rangel) trabalhando para flertar com desconhecidos nos trens da Central do Brasil, mas as cenas evidenciavam a comicidade das situações.
Otília foi inspirada na figura defendida por Catherine Deneuve em Belle de Jour (1967), uma mulher entediada com o casamento que passava as tardes dando expediente em um bordel. O conto A Dama do Lotação, de Nelson Rodrigues, também serviu de base.
Os textos de Rodrigues ainda foram usados como referência para Leandra Leal na composição de Clarelis – nome criado a partir da “fusão” de Clara Nunes e Elis Regina; no original, Emilene (Elizangela), das cantoras Emilinha Borba e Marlene.
Criações para a releitura
Além de Laura, Gloria Perez desenvolveu outros tipos para a atualização do folhetim de Janete Clair. Com Otília e Clóvis, veio a família: o filho Tenorinho (Eri Johnson), que morria de vergonha da origem suburbana e usava outro nome, Marcelo, para circular pela Zona Sul, e a agregada Ritinha (Camila Pitanga).
Eunice ganhou uma amiga, Mila (Betty Lago), professora universitária envolvida com um rapaz bem mais jovem, Valter, para incômodo dos filhos adolescentes.
Miguel, amante de Eunice, não morreu na perseguição policial decorrente do assalto ao banco, como na primeira versão. Ele foi assassinado pela dona de casa, ainda mais atormentada ao ser desmascarada pelo marido, Ricardo (Luís Melo), e seduzida por Carlão, que temia ser delatado à polícia por ter ficado com o produto do roubo.
Vilminha, que participava de “pegas” de carros nos anos 1970, passou a frequentar festas raves. A herdeira de Salviano integrava um grupo de clubbers, assinalado com o visual repleto de piercings e acessórios, além da maquiagem escura.
Curiosamente, a caracterização de Clara Garcia para Rafa, amiga de Vilminha, fez sucesso com crianças que lutavam contra o câncer. Clara raspou os cabelos para a personagem, que desfilava com brilhos e tatuagens na cabeça. As visitas dela a hospitais e centros de tratamento foram incluídas por Gloria na novela.
Homenagens ao original
Paloma Duarte foi convidada pela própria Gloria, satisfeita com o desempenho dela em Hilda Furacão, para o papel que, em 1975, foi de Débora Duarte, mãe da atriz.
Betty Faria e Lima Duarte, responsáveis pelos primeiros Lucinha e Salviano Lisboa, fizeram participações afetivas. Betty, como ela mesma, deu dicas para a Lucinha de Carolina Ferraz em um de seus ensaios como modelo. Lima defendeu Tonho Alicate, bandido que persegue Carlão.
Mário Lago viveu o mesmo personagem nas duas versões, o advogado de defesa de Eunice. O nome, contudo, foi alterado de Peres para Amatto. Já André Valli, o Claudius, voltou a ‘Pecado’ como Orestes, pai de Lucinha; Claudius foi rebatizado Lobato e entregue ao estreante Henri Castelli.
Zilka Salaberry, que, assim como Darlene Glória (Aurora), voltava ao gênero do qual estava afastada desde Araponga (1990), reverenciou Elza Gomes, intérprete de Bá no clássico de Janete. O cenário dela contava com uma foto de Elza, amiga da mãe de Zilka, Luiza Nazareth.
“Agora, para prestar uma homenagem a Elza, faço referência a ela como se fosse minha mãe, o que, de certa maneira, ela foi, pois cresci dentro do teatro”, celebrou Salaberry em depoimento ao jornal O Estado de São Paulo.
Investimento pesado
Pecado Capital custou cerca de R$ 90 mil por capítulo, mesmo valor atribuído às produções contemporâneas das sete e das oito, Meu Bem Querer e Torre de Babel. A ideia da então superintendente da Globo, Marluce Dias da Silva, era dar o mesmo tratamento a todas as faixas.
Por opção de Wolf Maya, a trama não contou com cidade cenográfica. As cenas externas foram gravadas em Marechal Hermes; o original era ambientado no Méier.
“É um bairro que tem um clima do Rio antigo, é todo plano, e eu estou querendo mostrar a poética do subúrbio em ‘Pecado Capital’. Não quero mostrar a violência, a sujeira, a miséria. Quero fazer como Almodóvar faz com o subúrbio de Madri, como Spike Lee faz com o de Nova York. Por que detonar? A nossa periferia é linda”, exaltou Wolf ao Globo.
A equipe utilizou 12 fachadas, modificadas de acordo com as necessidades do roteiro; a maioria na rua Azulão. A residência que servia a Lucinha teve o muro rebaixado e foi pintada de cor de rosa. A janela da casa atribuída a Carlão foi substituída por uma maior. A emissora “alugou” as fachadas por oito meses, desembolsando um valor acima do mercado por cada propriedade: R$ 400.
O único imóvel utilizado por completo foi o de Otília; o interior servia de base, para camarins e salas de maquiagem.
As gravações em Marechal Hermes incluíram ainda a rua Assis Ribeiro e a Praça Morese, onde ficava o ponto de táxi de Carlão. A produção também contou com um ferro-velho em Belford Roxo, onde ocorriam as raves de Vilminha; o armazém 21 das Centrais de Abastamento do Rio de Janeiro (Ceasa), em Irajá, e o Iate Clube abrigaram sequências ligadas a Centauro, rede de lojas da família Lisboa. Por fim, o navio Rhapsody, cuja viagem para Salvador foi adiada para as filmagens envolvendo a chegada de Laura ao Brasil.
Participações
O remake contou com várias participações especiais. Nomes como Eduardo Dussek, Elke Maravilha, Narcisa Tamborindeguy e Thereza Collor marcaram presença em um desfile da Centauro. Beth Carvalho, Cauby Peixoto, Elymar Santos e Emílio Santiago surgiram no júri do concurso promovido, dentro e fora das telas, com as taxistas mais charmosas do Rio de Janeiro.
Romário jogou futevôlei com Tenorinho logo nos primeiros capítulos; Edmundo, então em atividade no exterior, rodou sua participação durante um intervalo na temporada. Renato Gaúcho, recém-aposentado dos gramados, virou figurinha carimbada nas gravações.
Eri Johnson chegou a responder pela “lista VIP” do folhetim, conforme revelou ao jornal O Globo:
“Eu estava gravando quando o André [integrante do grupo Molejo] ligou para o meu celular. Pedi para ele passar na praia. Na mesma hora, avisei à produção que um integrante do Molejo estava a caminho. A Gloria Perez autorizou e nós improvisamos”.
Xuxa, por sua vez, surgiu no cenário de seu programa, Xuxa Park. Netos de Salviano Lisboa, Rubinho e Nandinho (Luís Cláudio Jr.) levaram o menino de rua Pastel para conhecer a Rainha dos Baixinhos.
Outras curiosidades
Os 12 primeiros capítulos de ‘Pecado’ foram regravados para ajustes de figurino. Gogoia Sampaio, responsável pelo setor, foi substituída por Helena Brício e Marina Alcântara. A principal alteração envolveu Carolina Ferraz, que diminuiu o comprimento dos cabelos e engrossou as sobrancelhas. As peças da protagonista, aliás, seguiam a linha anos 70, com miniblusas, minissaias e bijuterias artesanais.
Em meio às mudanças, o nome da personagem de Camila Pitanga foi trocado de Lurdinha para Ritinha.
A rosa azul, adorada por Vilminha, foi desenvolvida pela produtora de arte Ângela Melman e pela florista Fátima Conceição. A flor branca era banhada com anilina para chegar à coloração desejada.
O tema de abertura composto por Paulinho da Viola para a versão original foi regravado pelo grupo Só pra Contrariar após a produção desistir do convite a Caetano Veloso. O cantor já embalava o romance dos protagonistas de Meu Bem Querer, o que implicou na mudança de planos.
Alexandre Borges conciliou as últimas cenas de Nélio com as primeiras de João Pedro, personagem da série Mulher. E Luís Melo, enquanto Ricardo, pode ser visto também como o Diabo na minissérie O Auto da Compadecida (1999).
Tão logo iniciou os trabalhos de Pecado Capital, Eduardo Moscovis descobriu que a então esposa, Roberta Richard, estava grávida. A primeira filha do casal, Gabriela, nasceu em março de 1999.
O anti-herói defendido por Moscovis, aliás, contou com dois desfechos gravados na estação de metrô Arcoverde, em Copacabana, durante um domingo – quando as operações dos vagões eram suspensas. Em um dos finais, após ser baleado, ele abria os olhos, para a alegria de Lucinha. A direção optou por manter a conclusão de 1975, com o taxista morto.
O Canal Viva anunciou a reapresentação de ‘Pecado’ em 2013, como substituta de Felicidade (1991), mas, diante das queixas do público, a trama acabou preterida por Anjo Mau (1997). No ano seguinte, o Viva tentou emplacar o título após História de Amor (1995). A audiência reagiu, outra vez, levando à enquete que reunia Lua Cheia de Amor (1990), Despedida de Solteiro (1992) e Tropicaliente (1994), a eleita.
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