Os bastidores de Perigosas Peruas; novela estreia no Globoplay

Trama de Carlos Lombardi entra no streaming quase 33 anos após a primeira e única exibição

Vera Fischer (Cidinha) e Silvia Pfeifer (Leda) em Perigosas Peruas (Nelson Di Rago / Globo)

Perigosas Peruas, enfim, está de volta! Nesta segunda-feira (13), quase 33 anos após a primeira e única exibição, a novela de Carlos Lombardi entra para o catálogo do Globoplay. Para celebrar o resgate, o site Duh Secco reúne várias curiosidades da obra.

Produção suspensa

Perigosas Peruas - Silvia Pfeifer
Silvia Pfeifer como Leda em Perigosas Peruas (Divulgação / Globo)

Carlos Lombardi apresentou a sinopse de Perigosas Peruas à Globo em 1990. O argumento surgiu da observação de uma reunião de sua esposa Cristiane com várias amigas, para um jogo de tranca, conforme o autor relatou ao projeto Memória Globo:

“Elas não tinham concentração nenhuma no jogo, porque uma ficava falando com a outra. E eu fui ouvindo, ouvindo, ouvindo… De repente, a partir daquela cena, comecei a pensar em várias coisas. Percebi que havia me casado com uma mulher pertencente a uma geração – talvez a primeira – criada para cumprir dois papéis: o de mulher com bom desempenho profissional e o de esposa e mãe dedicada. A minha mãe trabalhava fora, mas trabalhava porque precisava. Ela não era uma precursora feminista. Era pobre, precisava se sustentar. O trabalho dela não se encaixava em um projeto. A Cris, minha mulher, é de outra geração. Ela foi criada para ser as duas coisas. […] ‘Perigosas Peruas’ foi uma história que eu montei como uma tese. Eu tinha um dado comportamental para explorar”.

A trama, então intitulada Deliciosas Peruas e candidata à substituta de Mico Preto às 19h, chegou a entrar em processo de escalação. Uma das protagonistas, Leda Vallenari, foi entregue a Silvia Pfeifer, que havia estreado como atriz em julho do mesmo ano, na minissérie Boca do Lixo. A intenção da emissora, aliás, era repetir o triângulo amoroso formado por Silvia, Alexandre Frota e Reginaldo Faria em ‘Boca’. Maria Zilda Bethlem, parceira de Lombardi em Vereda Tropical (1984) e Bebê a Bordo (1988), foi cogitada para a outra heroína da história, Cidinha. O time provisório incluiu também Regina Casé, João Rebello, Ísis de Oliveira, Dennis Carvalho e Chiquinho Brandão – morto em um acidente automobilístico em 1991.

Tempos depois, ‘Peruas’ perdeu a vaga para Lua Cheia de Amor, releitura de Dona Xepa (1977) antes cotada para 18h. Segundo o jornal O Globo, o texto foi considerado “forte demais” para a faixa. Já Lomba, em entrevista ao jornal O Dia, atribuiu o cancelamento aos custos – em tempos de recessão econômica decorrente dos desastrosos planos do governo Collor.

“Como não queria inviabilizar o projeto, reduzi as cenas externas”, contou.

O engavetamento levou a pequena Alessandra Aguiar, contratada pela casa após testes, para Barriga de Aluguel, no ar às seis.

Retomada

Perigosas Peruas - Nicette Bruno
Nicette Bruno como Vivian em Perigosas Peruas (Nelson Di Rago / Globo)

Perigosas Peruas voltou à fila das sete no segundo semestre de 1991, com Lua Cheia de Amor concluída e Vamp em pleno voo. Do elenco pretendido anteriormente, Silvia Pfeifer, Alexandre Frota (Jaú), Rosita Thomaz Lopes (Valquíria) e John Herbert (Cervantes) foram mantidos.

Outros nomes ventilados em 1990 surgiram em participações. Casos de Guilherme Leme (Anjo) e Fábio Sabag (Dom Federico Visconti), semanas após a conclusão dos trabalhos de Vamp. Também Inês Galvão (Joaninha), que cumpriu as funções de Fabiana Scaranzi (Joana). Fabiana, que fez carreira como jornalista na Globo e na Record, sofreu um pequeno acidente ao manusear um revólver de festim, afastando-se temporariamente das gravações.

Arlete Salles, que, em 90, declinou de um convite para Araponga interessada em interpretar Vivian, não pode retomar o papel, entregue a Nicette Bruno. Arlete estava comprometida com Pedra Sobre Pedra, folhetim das oito.

O mafioso Belo, que foi de Reginaldo Faria, passou por Marcos Paulo antes de ser oferecido a Mário Gomes. Já Michelangelo, indicado para Walter Foster, um dos pioneiros da televisão no Brasil, acabou com Carlos Kroeber.

Pelo time provisório de 1992 também passaram Edson Celulari, fora da Globo desde Que Rei Sou Eu? (1989), e Leonardo Franco.

Vera Fischer x Globo

Perigosas Peruas - Mário Gomes e Vera Fischer
Vera Fischer (Cidinha) e Mário Gomes (Belo) em Perigosas Peruas (Arley Alves / Globo)

Vera Fischer resistiu ao convite de Carlos Lombardi e Roberto Talma, diretor geral, para Cidinha. A estrela não pretendia abandonar os ensaios da peça Macbeth, em São Paulo. A princípio, Vera também não simpatizou com o papel, conforme revelou em entrevista ao Globo:

“No início, cheguei a falar com o Talma que é muito ruim fazer um personagem não glamouroso. É bom o rico, o inteligente, o querido por todos. Isso é que é o máximo. A Cidinha se sente rejeitada e, quando li o perfil dela, eu disse para mim: ‘Vou me sentir muito mal fazendo isso’. Mas repensei e vi que não poderia ficar vivendo sempre a bonitinha, a gostosinha, pois não tem novidade, já sei fazer. Temos que enfrentar papéis com os quais a gente não concorda muito, uma malvada, uma burra, uma mau caráter…”.

Em janeiro de 92, em meio ao conturbado relacionamento com o então marido Felipe Camargo, à ausência em uma das gravações e uma suposta agressão à figurinista Sônia Soares, o disse-me-disse sobre a saída de Fischer da novela tomou a imprensa.

“Não apanhei da Vera Fischer. Essa notícia é completamente inverídica. Eu e a Vera somos amigas e nossa relação sempre foi ótima”, rebateu Sônia em matéria do Jornal do Brasil.

A deusa se manifestou na mesma publicação, atribuindo a boataria à pressão da Globo para que ela deixasse o teatro, dedicando-se exclusivamente aos trabalhos de ‘Peruas’:

“Antes de fechar contrato avisei que gravaria de segunda a quarta-feira e nos outros dias ensaiaria a peça. Não vou mudar meus planos. Eu não estava passando bem e não pude gravar. Mas isso acontece com qualquer atriz. Não vejo motivos para tanta correria. Até agora, o cenário da minha personagem nem está pronto”.

Fischer e a emissora entraram em um consenso com o auxílio de Antonio Fagundes, que dividia o palco com ela. Antes, porém, a Globo chegou a cogitar a substituição da diva por Bruna Lombardi.

“O Mário Lúcio Vaz [diretor da Central Globo de Produções] me telefonou, na maior emergência, explicando que tinha havido um problema qualquer com a Vera e, por isso, queria saber se eu estava disposta a entrar na novela. Fiquei super lisonjeada com a proposta e cheguei a pensar no assunto, mas acabei decidindo que o melhor para mim é voltar para os Estados Unidos e continuar estudando”, declarou Bruna ao jornal O Globo.

Questionado, também pelo Globo, acerca do “temor” sobre uma saída repentina de Vera Fischer da trama, Carlos Lombardi foi categórico:

“Para ser franco, este é um assunto com o qual eu nem me preocupo. A Vera vai ser sempre um prato cheio para a imprensa porque é uma mulher linda e excelente atriz”.

Cidinha foi um marco na carreira de Fischer! A dona de casa atrapalhada, que almejava a vida profissional da amiga Leda – com quem disputava Belo –, arrebatou público e crítica. A cantora Maria Bethânia, noveleira assumida, exaltou o desempenho da atriz em entrevista ao jornal O Globo:

“Acho a Vera Fischer engraçadíssima em ‘Perigosas Peruas’. Ela está maravilhosa. Eu me acabo de rir quando vejo as cenas dela. Nunca pensei que Vera fosse comediante. Ela fez sempre ‘jocastas’, mulheres fatais”.

Estrela mirim

Perigosas Peruas - Adriana Tausz, Igor Logullo e Natália Lage
Natália Lage (Tuca), Igor Logullo (Toninho) e Adriana Tausz (Zazá) em Perigosas Peruas (Arley Alves / Globo)

Silvia Pfeifer e Vera Fischer dividiram o estrelato com Natália Lage, a Tuca, filha de Leda que, por uma armação de Belo, fora criada por Cidinha. Natália, então com 13 anos, chegou a ser campeã de cartas da casa – ao lado de João Vitti, que, após uma participação em Perigosas Peruas, estrelou os primeiros capítulos de Despedida de Solteiro, título exibido às 18h.

Diferente dos colegas menores de idade, Lage não foi submetida a testes. A atriz recebeu o convite para ‘Peruas’ de Roberto Talma. O diretor também indicou Igor Logullo para uma avaliação, impressionado com as habilidades artísticas do garoto, filho da cantora Lidoka, do grupo Frenéticas. Logullo assumiu Toninho, irmão de Tuca. A caçula da família, Zazá, foi vivida por Adriana Tausz, filha da atriz Carla Tausz e neta da sonoplasta Jenny Tausz. Adriana estreou na TV em 1988, aos quatro meses, como Heleninha, a pequena que movimentava Bebê a Bordo, também de Lombardi.

O desempenho de Natália Lage encantou Cassiano Gabus Mendes, autor de novelas que, em Perigosas Peruas, voltou à atuação – o lado ator só foi exercitado por ele nos primórdios da TV no Brasil. O encontro em cena de Tuca e Dom Franco Torremolinos rendeu uma promessa do novelista à atriz: a de que ela teria um papel na próxima investida dele nos roteiros. Natália participou de O Mapa da Mina, última obra de Cassiano. A ideia, inclusive, era repetir o par formado por ela e Vitor Hugo (Caco), que acabou substituído por Jonathan Nogueira.

Cassiano foi recrutado para ‘Peruas’ por Talma, impressionado com uma locução feita por ele para um projeto interno da Globo.

Hebe Camargo entre as peruas

Perigosas Peruas - Nair Bello
Nair Bello como Gema em Perigosas Peruas (Divulgação / Globo)

Nair Bello também brilhou em Perigosas Peruas, que representou a volta dela à Globo 12 anos após a primeira e até então única empreitada por lá, Olhai os Lírios do Campo. Gema Belotto, personagem de Nair, era uma legítima perua! Amicíssima de Bello, Hebe Camargo emprestou várias peças para o guarda-roupa de Gema. A imprensa chegou a ventilar a participação de Hebe na produção, vetada por motivos contratuais – a apresentadora era uma das estrelas do SBT.

Para o núcleo de policiais liderado pelo delegado Venâncio Falcão (Flávio Migliaccio), Carlos Lombardi buscou inspiração nos romances policiais do norte-americano Ed McBain. Por sugestão do autor, quase todo o efetivo da delegacia usava bigode, incluindo Venâncio.

O título Perigosas Peruas, aliás, fazia alusão ao envolvimento de Leda e Cidinha com o crime, representado por Belo, empregado dos mafiosos Torremolinos. Tal conceito era reforçado pela abertura, desenvolvida pelo cartunista Miguel Paiva. Ao jornal O Globo, Paiva detalhou o processo de criação, com cerca de 400 ilustrações feitas em casa e depois digitalizadas e colorizadas nos computadores da Globo – para os teasers e chamadas foram cerca de 160 desenhos. Miguel já havia trabalhado no story-board de Araponga, cuja vinheta foi toda gravada em estúdio, com Tarcísio Meira, Zilka Salaberry e elementos cenográficos.

Boni, então vice-presidente de operações da emissora, foi um dos responsáveis pelo tema de abertura, gravado pelo grupo Frenéticas.

“Cheguei até a sugerir uma música incidental, já que a abertura é toda em desenho animado. Mas ele [Boni] não gostou e insistiu que teria uma letra e seria uma dance. Antes de viajar, então, rabiscou umas rimas e me entregou, dizendo que era por ali. Mandei o material para o Nelsinho [Motta], que deu uma burilada, enquanto o Renato Ladeira tratou da parte instrumental. E tudo isso em uma semana apenas”, destacou o diretor musical Mariozinho Rocha em matéria de O Globo.

Presente na trilha com Eu Não Sei Dançar, tema de Cidinha, Marina Lima topou uma participação em ‘Peruas’, como ela mesma. Na sequência, Leda e a rival disputavam uma exclusiva com Marina a tapas, literalmente.

O repertório nacional de Perigosas Peruas emplacou 68.783 cópias vendidas. Já a trilha internacional, repleta de hits, garantiu 277.331 cópias.

Protestos

Perigosas Peruas - Alexandre Frota
Alexandre Frota como Jaú em Perigosas Peruas (Nelson Di Rago / Globo)

Uma fala de Hector (Guilherme Karan) causou reclamações de funcionários do Banco do Brasil. O filho de Franco Torremolinos sugeriu a um bandido, considerado “mole”, que prestasse concurso para a instituição, onde o trabalho era “pouco e o salário excelente”.

“Imagine um personagem racista que não possa ser preconceituoso? Uma novela não é um editorial, nem sempre traduz as ideias do autor. A Silvia Pfeifer e a Vera Fischer já se chamaram de feias num capítulo e isso não as faz feias. Isso não passa de censura tola de quem não deve ter mais nada a fazer”, reagiu Lombardi em entrevista ao Jornal do Brasil.

Uma sequência em que Tuca, dividida entre as duas mães, pensava em suicídio, saltando de uma roda-gigante, foi excluída da redação final pelo autor, que também desistiu de matar Belo diante da popularidade do personagem. Outro núcleo que passou por adequações foi o dos mafiosos:

“Eu descobri que o público não entendia bem a trama do gângster interpretado pelo Cassiano Gabus Mendes. O público não sabia exatamente o que aqueles gângsteres faziam, se eram bandidos ou não”, rememorou ao projeto Memória Globo.

Outra mudança envolveu um dos disfarces de Jaú. Por considerar a virilidade um dos traços marcantes do policial, Alexandre Frota pediu para que Ângelo Garcia, um suposto mafioso, não fosse afeminado, como sugerido pelo roteiro.

Frota quase não chegou aos momentos finais de ‘Peruas’. Gloria Perez desejava contar com o ator na pele de Bira, o namorado ciumento de Yasmin (Daniella Perez), em De Corpo e Alma. Roberto Talma, diretor dos dois folhetins, chegou a negociar a liberação dele com Carlos Lombardi. Por fim, Alexandre optou por aguardar outro projeto: Renascer (1993). Porém, embora convidado pelo autor Benedito Ruy Barbosa, ele não ingressou no elenco da novela, exibida na sequência de ‘Corpo e Alma’.

As primeiras cenas de Alexandre Frota em Perigosas Peruas foram realizadas no complexo penitenciário do Carandiru. O ator rodou sequências no pavilhão central e no campo de futebol, em meio a 4.000 detentos. Em outubro do mesmo ano, 111 presos do Carandiru foram alvos de um massacre coordenado por policiais militares.

Conflitos do autor

Em meio às gravações, ‘Peruas’ passou por um baby boom, com o nascimento das filhas de Mário Gomes e Gerson Brenner (Giovanni) e a gravidez de Vera Fischer, incorporada ao enredo. Já Carlos Lombardi atravessou o “momento profissional mais difícil” de sua vida, com o parto precipitado da esposa.

“Minha mulher entrou em trabalho de parto no quinto mês de gravidez. Nasceram duas meninas antes da hora. Uma nasceu morta, a outra sobreviveu poucas horas. Vi minha mulher com hemorragia, sentado em frente ao meu computador. Fui até o hospital e, na manhã seguinte, tive que voltar para o computador para trabalhar – contei com a ajuda de meu grande amigo Vinícius Vianna”, relembrou ao projeto Memória Globo.

Na mesma entrevista, Lombardi mencionou outro percalço: a queda de audiência nas primeiras semanas por conta da concorrência com o Aqui Agora, jornalístico do SBT:

“Foi uma das primeiras vezes em que vimos como era difícil concorrer com esse tipo de programa apelativo, que explora o crime, a tragédia e outras coisas inacreditáveis. Mas a direção da Globo foi calma o suficiente para lidar com isso, e, no segundo mês de exibição, a novela pegou”.

Também ao Memória Globo, Lomba destacou a parceria com Lauro César Muniz, supervisor de texto:

“Eu achava que a supervisão não era necessária, mas a Globo queria um supervisor. Ainda bem que foi o Lauro, uma pessoa legal. É óbvio que aprendi muito com ele. Ele formalizou para mim coisas que eu já sabia, mas de forma desorganizada. Lauro é formado em engenharia, é muito bom para botar ordem na casa, além de ser excelente escritor. Ele organizou conceitos que não estavam em ordem. Eram coisas sobre as quais eu tinha intuição, havia aprendido por osmose, por cópia. Eu tive um curso de dramaturgia com o Lauro. Foi muito bom”.

Em 2001, a Globo cogitou a reapresentação de Perigosas Peruas em Vale a Pena Ver de Novo, logo após a malsucedida passagem do Você Decide (1992) pelo bloco. Considerada “antiga”, a história perdeu a vaga para Por Amor (1997). No fim das contas, A Gata Comeu (1985), ocupou a sessão.

Escrito por Duh Secco

Sou apaixonado por TV e novelas desde a infância. Passei pelo blog Agora é Que São Eles e pelos sites Canal VIVA, RD1 e TV História. As análises, informações exclusivas e matérias sobre bastidores de produções do passado e do presente se estenderam às redes sociais. Agora, me dedico a um espaço próprio, sempre empenhado em levar o melhor do audiovisual aos que me acompanham.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

GIPHY App Key not set. Please check settings

Patrícia Poeta

Encontro com Patrícia Poeta celebra 60 anos da Globo com novos quadros