Tudo sobre os bastidores de Champagne; novela completa 40 anos

Novela de Cassiano Gabus Mendes enfrentou problemas com a Censura

Tony Ramos como Nil em Champagne (Nelson Di Rago / Globo)

“Um clima de festa no ar. Um brinde pra você na nova novela das oito!”. Com esse texto, a Globo convidava o espectador a acompanhar Champagne. A primeira trama de Cassiano Gabus Mendes para o horário estreou há exatos 40 anos.

Com elementos comuns à sua obra, Cassiano levantou uma boa história, prejudicada pela ação da Censura Federal. O especial abaixo reúne essa e outras informações de bastidores.

Tempo de mudanças

Cassiano Gabus Mendes
Cassiano Gabus Mendes (Reprodução / IMDB)

Em 1983, a Globo contava com apenas três autores às oito: Gilberto Braga, Janete Clair e Manoel Carlos. Gilberto estava no ar com Louco Amor, enquanto Maneco, mesmo com sinopse aprovada, se preparava para deixar a casa — abalado com a morte repentina do amigo Jardel Filho durante as gravações de Sol de Verão (1982). Logo, a vaga cabia a Janete, que enfrentava problemas de saúde.

Diante do interesse da novelista de seguir trabalhando, mesmo em tratamento contra um câncer de intestino, a emissora ressuscitou o horário das dez. Janete Clair desenvolveu Eu Prometo, exibida apenas de segunda a sexta-feira em capítulos de 30 minutos. A então estreante no gênero Gloria Perez atuou como colaboradora. O folhetim também serviu para devolver a faixa aos títulos nacionais, ocupada por enlatados desde a extinção das séries e durante o hiato na produção de minisséries.

Coube a Cassiano Gabus Mendes, de vários sucessos às sete, assumir o posto de Janete. Elas por Elas (1982), trabalho anterior dele, serviu de base: um grupo de amigos envolvido em mistérios do passado, como o da morte do irmão de Natália (Joana Fomm) em ‘Elas’; uma amante misteriosa, tal qual Wanda / Patinha (Sandra Bréa); e uma figura atrapalhada, Mário Fofoca (Luis Gustavo) e Farid (Armando Bógus).

“Ninguém muda de estilo de repente e eu não pretendo modificar o meu. Talvez existam situações mais sérias porque o horário exige. Mas, fundamentalmente, continuarei o mesmo”, adiantou Cassiano ao jornal O Globo.

Golpistas em ação

Champagne - Antonio Fagundes
Antonio Fagundes como João Maria em Champagne (Nelson Di Rago / Globo)

A novidade ficou por conta dos ladrões Antônia Regina e João Maria, defendidos por Irene Ravache e Antonio Fagundes. Os dois aproveitavam eventos da alta sociedade para roubar cofres. Ele buscava manter o padrão de vida dos tempos de riqueza, enquanto ela empenhava as joias, mandava a cautela para os donos e usava o dinheiro para caridade.

Tal argumento estava pronto antes mesmo da convocação de Gabus Mendes para a faixa. Em entrevista ao Globo, em abril de 1983, Agildo Ribeiro revelou a intenção de atuar em uma novela criada pelo autor, com direção de Paulo Ubiratan, sobre um homem rico e colunável que se empregava em casas para saciar o prazer de roubar.

Irene foi convidada para Antônia Regina pelo próprio Cassiano Gabus Mendes, enquanto ele ainda rabiscava as primeiras linhas da história. Já Fagundes saiu de Louco Amor para viver João Maria.

“Manoel Carlos me cedeu, gentilmente, Fernanda Montenegro de ‘Baila Comigo’ para ‘Brilhante’. Eu só podia ceder Antonio Fagundes a Cassiano Gabus Mendes”, declarou Gilberto Braga ao Globo.

O diretor Wolf Maya também deixou Louco Amor para se dedicar a Champagne. A trama de Gilberto ficou nas mãos de José Wilker e Mário Márcio Bandarra. Este último também seguiu para a sucessora, reeditando a parceria de Elas por Elas com Cassiano, Wolf e Paulo Ubiratan, então supervisor artístico.

Ilka Soares e Cláudio Corrêa e Castro, cujos personagens foram assassinados em Louco Amor e Eu Prometo, respectivamente, acabaram recrutados de imediato para Tereza e Ralf. O mesmo se deu com Mauro Mendonça, o Jurandir; o tipo interpretado por ele no enredo assinado por Gilberto foi vítima de um acidente.

Troca-troca

Champagne - Marieta Severo
Marieta Severo como Dinah em Champagne (Divulgação / Globo)

Eva Todor e Yoná Magalhães, então presentes na Band, foram cogitadas para o elenco de Champagne. O mesmo para Stenio Garcia, comprometido com as gravações da minissérie Padre Cícero (1984).

Carla Camurati assumiu o papel reservado para Renata Sorrah – Bárbara, irmã de Antônia Regina e noiva de João Maria. Nuno Leal Maia substituiu Cláudio Cavalcanti na pele de Renan. Dionísio Azevedo se encarregou de Juca, cotado para Roberto Duval. Marieta Severo voltou à televisão, após 13 anos de ausência, para cobrir Esther Góes, primeiro nome ventilado para Dinah.

O título também foi alterado várias vezes. De Bar dos Solitários para Casanova Bar; depois, Bar Doce Bar, Single Bar e, às vésperas da estreia, Champagne.

Fantasia e realidade

Champagne - Louise Cardoso e Tony Ramos
Louise Cardoso (Anita) e Tony Ramos (Nil) em Champagne (Reprodução / Revista Amiga e Novelas)

A narrativa compreendia a investigação de um crime ocorrido em 1970 durante uma festa: o assassinato da copeira Zaíra (Suzane Carvalho), pelo qual Gastão (Sebastião Vasconcelos) foi injustamente acusado. Filho do suposto criminoso, Nil (Tony Ramos) buscava informações para inocentá-lo. Ele testemunhou o ocorrido, mas um bloqueio psicológico o impedia de lembrar do rosto do assassino.

Atendente em um quiosque na praia do Pepino, Nil namorava a suburbana Marli (Solange Theodoro). Ele despertava os sonhos, literalmente, de Eli (Lúcia Veríssimo) e Anita (Louise Cardoso). A primeira, tão pobre quanto Nil, sempre incomodada com tal condição; a segunda, uma astróloga interessada em ajudá-lo a resolver o seu trauma.

Por conta dos sonhos de Eli e Anita, frequentes enquanto as duas não conheciam Nil, Tony Ramos gravou sequências como velejador, esgrimista e cavaleiro. Tais cenas foram realizadas antes do ator adotar o bigodinho que caracterizou o personagem.

Champagne - Beatriz Segall
Beatriz Segall como Eunice em Champagne (Nelson Di Rago / Globo)

Gastão passou anos foragido e reapareceu endinheirado, graças ao garimpo em Serra Pelada, no Pará. Foi quando se deu a ascensão de Nil, com a retirada do bigode e a mudança do quiosque para uma sorveteria no Leme. Mesmo “bem de vida”, o protagonista seguiu enfrentando a resistência da sogra, Eunice (Beatriz Segall), que protagonizava brigas e mais brigas, com direito à guerra de comida, com Adélia (Eloísa Mafalda), mãe de Nil.

Eunice era esposa do mineiro Camilo, primeiro papel de Luís Carlos Arutin na Globo. Já Beatriz Segall, além de encarnar uma das poucas figuras simplórias de sua trajetória na telinha, exercia outra função nos bastidores, a de assistente de direção.

“Este é um trabalho que desejava fazer há muito tempo. Ou seja, a tarefa de preparação dos atores, função muito importante na dinâmica das gravações”, contou ela ao Globo.

Censura e reformulação

Champagne - Cássio Gabus Mendes
Cássio Gabus Mendes como Greg em Champagne (Nelson Di Rago / Globo)

Champagne impulsionou a carreira de Cássio Gabus Mendes, filho de Cassiano, revelado em Elas por Elas e recém-saído de Pão-Pão, Beijo-Beijo, às seis. O tipo entregue a ele, Greg, impulsionou a venda dos chaveiros de mola – como os fios de telefone –, tendência lançada pela figurinista Marília Carneiro.

Greg vivia às turras com o pai Zé Brandão (Jorge Dória), sujeito intragável preso a um casamento de aparências com Dinah (Marieta Severo). A Censura Federal reclamou do ambiente “de desagregação” do núcleo, obrigando o novelista a reformular tais relações.

Após a queixa do departamento ligado ao regime militar, Zé Brandão foi preso, mostrou-se arrependido, confessou ser o pai de Zaíra e orientou Greg a investigar o assassinato da meia-irmã.

A luta por justiça levou Greg a Porto Alegre, no encalço de Leonor Camargo (Tânia Scher), mãe de Zaíra. As externas na capital do Rio Grande do Sul foram dirigidas por Fred Confalonieri. O Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, também abrigou sequências relacionadas à investigação.

Participações especiais

Champagne - Edson Frederico, Nana Caymmi e Wolf Maya
Wolf Maya, Nana Caymmi e Edson Frederico nos bastidores de Champagne (Reprodução / Revista Amiga e Novelas)

Vários nomes foram acionados para Champagne em meio às investidas de Greg para desvendar o crime que dominava o enredo. Dary Reis surgiu como gerente de um inferninho, enquanto Francisco Dantas respondeu por Homero, ator do Retiro, e Iracema Vitória encarnou Maria Isabel, atriz do teatro rebolado. Isolda Cresta viveu Paula, cogitada a princípio para Yara Cortes.

Ainda, o garoto Peter Maciel, encarregado de Nil aos 12 anos.

A história ainda implicou na manutenção de Suzane Carvalho, convidada apenas para o primeiro capítulo, no elenco. A pianista Gardênia Garcia também foi integrada ao time, batendo ponto no bar onde se desenrolava boa parte da trama.

Gardênia, aliás, acompanhou a apresentação de Wando no estabelecimento. Nana Caymmi e o maestro Edson Frederico comandaram o show de inauguração do espaço. Outros convidados foram Fafá de Belém, Francis e Olívia Hime e o americano Lillo Thomas – ao lado do pianista Luís Carlos Vinhas.

O Champagne Bar ocupava 300 metros quadrados, adornados com 20 sofás e 16 mesas. Tons de bege, marrom e vinho conferiam o clima aconchegante ao local.

“O Cassiano queria tudo muito fino, em estilo inglês. Bolei três ambientes. Um com piano, música ao vivo e uma pequena pista de dança, uma coisa muito curtida no Rio. Um outro salão para bate-papo, com várias mesinhas de dois lugares. Esse ambiente dá todo para um jardim e é isolado acusticamente de todo o bar. E, finalmente, o bar, com balcão, cadeiras altas e muitos espelhos”, detalhou o cenógrafo Raul Travassos à revista Amiga.

Outras participações envolveram Farid, tio de Eli, e seus vários empregos. A azarada figura participou da gravação de um filme sobre a primeira missa no Brasil, com direção de Fábio Sabag, e distribuiu toalhas em clube frequentado por Lys Beltrão e Monique Evans.

Rejeitado pelas amigas Simone (Isis de Oliveira) e Fernanda (Mila Moreira), Farid chegou ao último capítulo comprometido com a também atrapalhada Marli.

Em família

Champagne - Carlos Augusto Strazzer e Mila Moreira
Carlos Augusto Strazzer (Ronaldo) e Mila Moreira (Fernanda) em Champagne (Reprodução / Revista Amiga e Novelas)

Simone e Fernanda eram promoters do bar liderado por Renan e Lúcio (Cecil Thiré). O último era acometido por surtos que afetaram Simone, quase afogada por ele durante uma brincadeira na piscina. Fernanda, por sua vez, foi friamente assassinada com um tiro à queima-roupa.

Ex-concunhada de Cassiano Gabus Mendes, Mila Moreira voltava à Globo após uma passagem pela Band, onde atuou em Sabor de Mel. O nome Fernanda foi atribuído à personagem numa referência de Gabus Mendes à sobrinha da atriz.

Na época, Mila namorava Hans Donner, então responsável pela identidade visual da Globo. Os dois se conheceram durante as gravações da abertura de Elas por Elas.

Donner, aliás, encantou o público de Champagne com uma vinheta estrelada pela modelo Maria Eugênia Villarta e pelo ator Breno Moroni, o Mascarado de A Viagem (1994). O casal interagia com objetos que flutuavam no ar, graças à técnica de chroma-key conhecida por newsmate. O designer buscou estabelecer um clima de sedução entre o casal, com os artigos masculinos girando em torno dela e vice-versa. Tudo ao som de Casanova, do cantor anglo-brasileiro Ritchie – em alta com o hit Menina Veneno e o álbum Voo do Coração.

A Censura, outra vez

Champagne - Cláudio Corrêa e Castro e Jorge Dória
Cláudio Corrêa e Castro (Ralf) e Jorge Dória (Zé Brandão) em Champagne (Reprodução / Astros em Revista)

A morte de Fernanda, que chantageava o assassino de Zaíra, levou Zé Brandão à cadeia após a falsa acusação de Zenilda (Cidinha Milan), também copeira do evento de 1970. O suspeito conseguiu deixar a carceragem com o auxílio de João Maria, que, impedido pela Censura Federal de roubar, passou a trabalhar como advogado.

Os cortes impostos pelo departamento ligado ao regime militar eram frequentes e, por vezes, absurdos. Cassiano Gabus Mendes protestou em entrevista, conforme consta no site Memória Globo:

“Eles não querem que se mexa com a realidade, com o que vemos diariamente por aí. Desse jeito, vamos acabar na Idade Média e terei que escrever sobre Santa Rita de Cássia”.

A tesoura também comprometeu Antônia Regina, que, sem poder tomar dos ricos para dar aos pobres, passou à dona da Gold Lingerie, fábrica de peças íntimas herdada do falecido marido.

Antônia e João, que viviam um relacionamento às escondidas por conta do namoro dele com a irmã dela, também arrumaram outros parceiros. Antônia Regina ficou noiva de Sherman (Carlos Zara), natural de Boston, capital do estado norte-americano de Massachusetts – facilmente “reconhecido pelo cheiro”, em um trocadilho de Farid envolvendo a cidade e o excremento. O compromisso acabou quando ela flagrou Sherman nos braços da secretária.

João Maria reencontrou uma antiga parceira de furto, Maria Luiza (Ana Maria Nascimento e Silva). Contudo, antes do “fim”, ele se acertou com Antônia.

As mães dos ladrões também ganharam destaque em meio à intervenção da Censura. Dona Luisinha (Henriqueta Brieba), que se recusava a aceitar a bancarrota, deixando os problemas financeiros aos cuidados do filho, sofreu um ataque cardíaco fulminante ao ler um diário do falecido marido, com confissões sobre as orgias que ele participou. Já Inês (Monah Delacy), desligada da realidade, vivia às voltas com a neta Norminha (Gabriela Bicalho), filha de Antônia Regina.

Fim dos mistérios

Champagne - Mauro Mendonça
Mauro Mendonça como Jurandir em Champagne (Nelson Di Rago / Globo)

Os últimos momentos de Champagne foram ambientados em uma ilha de Angra dos Reis, Rio. Zé Brandão reuniu os suspeitos das mortes de Zaíra e Fernanda com a ajuda de João Maria. Nil, diante dos convidados, lembrou de tudo o que viu e apontou Jurandir como culpado. Após pedir desculpas a Zé, o criminoso se suicidou. Tal cena não foi exibida por orientação do autor, que pediu apenas pelo som do tiro.

A conclusão desta história foi ao ar no antepenúltimo capítulo; o jornal O Globo adiantou tal desfecho duas semanas antes da exibição. Para o episódio final, Gabus Mendes reservou outra revelação, a mais aguardada pelos espectadores: quem era a amante de Ronaldo (Carlos Augusto Strazzer)?

O conquistador era casado com Verônica (Maria Isabel de Lizandra), que possuía um amor quase doentio por ele. Os embates dos dois contavam com a interferência de Olívia (Maria Helena Dias), mãe de Verônica, secretamente interessada no genro – mesmo comprometida com Juca, rico o suficiente para tirá-la da falência.

Três finais foram gravados, todos com amigas de Verônica. A amante de Ronaldo, no fim das contas, era Dinah. Os outros dois desfechos envolviam Tereza e Gilda (Isabel Ribeiro). Apenas o público tomou ciência do caso extraconjugal; os personagens permaneceram alheios à descoberta.

Champagne - Maria Isabel de Lizandra
Maria Isabel de Lizandra como Verônica em Champagne (Divulgação / Globo)

Verônica marcou a estreia de Maria Isabel de Lizandra em novelas da Globo. A atriz, famosa por seus trabalhos na Tupi, já havia participado da série Malu Mulher (1979), de episódios do Caso Verdade (1982) – Antoninho Rocha Marmo e Devolva Meu Filho – e da minissérie Moinhos de Vento (1983).

Maria Isabel conciliou as gravações com a apresentação, ao vivo, de Qualé o Grilo?, gincana escolar da TV Cultura exibida nas tardes de sexta-feira.

Guerra de audiência

Carnaval na Manchete
Anúncio do Carnaval 84 na Manchete (Reprodução / Manchete.org)

Champagne chegou ao fim com 46,7 pontos de média-geral; Louco Amor saiu de cena com 49,5. A trama perdeu a liderança de audiência no Rio de Janeiro em 5 de março de 1984, no confronto com o desfile das escolas de samba, transmitido pela Manchete.

Naquele 1984, a Globo não exibiu a festa, devido aos custos e ao falatório político em torno da inauguração do Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Após a derrota de Champagne, e do Fantástico no dia anterior (4), a rede optou por não mais abrir mão da cobertura da folia.

Escrito por Duh Secco

Sou apaixonado por TV e novelas desde a infância. Passei pelo blog Agora é Que São Eles e pelos sites Canal VIVA, RD1 e TV História. As análises, informações exclusivas e matérias sobre bastidores de produções do passado e do presente se estenderam às redes sociais. Agora, me dedico a um espaço próprio, sempre empenhado em levar o melhor do audiovisual aos que me acompanham.

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