Nesta segunda-feira (25), o Globoplay disponibiliza Dona Xepa. O clássico das 18h, produzido em 1977, não saía dos arquivos da Globo desde 80, quando reapresentada pela primeira e única vez em Vale a Pena Ver de Novo – o primeiro título a figurar na sessão.
‘Xepa’ detalha a difícil relação da personagem-título, defendida por Yara Cortes, com os filhos. Após lutar como feirante para dar boas oportunidades a Edson (Reynaldo Gonzaga) e Rosália (Nívea Maria), Xepa vê os dois se afastarem. O perfil despojado e a pouca instrução da mãe não condizem com a escalada social de Edson e Rosália.
O conflito lembra, guardadas as devidas proporções, o de Raquel (Regina Duarte) e Maria de Fátima (Gloria Pires) em Vale Tudo. As duas tramas foram assinadas por Gilberto Braga. Manuela Dias conduz o remake de ‘Vale’, que traz Taís Araujo e Bella Campos como Raquel e Fátima.
O site Duh Secco lista abaixo várias curiosidades de Dona Xepa, incluindo os objetivos de Giba com o projeto, o elenco provisório, a ação da censura do regime militar e o lançamento do ‘Vale a Pena’.
Em busca de um lugar ao sol

A versão para a TV de Dona Xepa, peça escrita por Pedro Bloch na década de 1950, foi sugerida à Globo por Gilberto Braga. Mesmo tendo desenvolvido dois trabalhos para a faixa das sete, Corrida do Ouro (1974) e Bravo! (1975) – com Lauro César Muniz e Janete Clair, respectivamente –, Gilberto era associado apenas às adaptações literárias do horário das seis. A indicação de ‘Xepa’ foi estratégica, conforme Braga revelou ao projeto Memória Globo:
“Sentia uma inveja danada do (autor) Mário Prata porque ele conversava com o Boni. Claro, o Mário o conhecia porque havia feito ‘Estúpido Cupido’, uma novela das sete. Eu era apenas um adaptador. Então, eu queria muito ser convidado para escrever novela das sete e, um dia, conhecer o Boni. Decidi usar um truque. Não queria pedir para fazer novela, porque é chato e, além do mais, eu não tinha segurança para isso. Queria que eles me convidassem. Sugeri que a minha próxima novela das seis fosse baseada em uma peça de teatro: ‘Dona Xepa’, de Pedro Bloch. Para novela, basicamente, só dava para aproveitar a personagem central, que era ótima. Seria uma oportunidade de fazer alguma coisa atual, sair do século XIX. A ideia foi bem-aceita, e a novela estourou. Com ‘Dona Xepa’, pude mostrar serviço com diálogos contemporâneos, e fui convidado não para a novela das sete, mas para a das oito, direto. Eu já estava com cartaz. Conheci o Boni e escrevi ‘Dancin’ Days’”.
No entanto, o desejo de ter um texto contemporâneo às 18h já existia desde 75, primeiro ano de atividade da faixa. Gilberto Braga e o diretor Herval Rossano, então responsável pelo horário, pretendiam adaptar Nossa Vida em Família, peça de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, centrada no conflito de pais e filhos: o casal de idosos Sousa e Lu, despejados da casa alugada em que viveram por anos, recorriam aos cinco rebentos em busca de apoio.
Unanimidade

A escolha de Yara Cortes para a protagonista Carlota Soares da Costa, a Dona Xepa, foi consenso desde o primeiro momento entre Gilberto e Herval. Amigo de longa data da atriz, Pedro Bloch também vibrou com a escalação.
Como laboratório, Yara passou a frequentar feiras livres, observando os gestos dos feirantes no trato com as mercadorias e o dinheiro. Ainda, o vestuário, as gírias e a relação entre os vendedores e os clientes.
No momento, a atriz, falecida em 2002, está na tela da Globo através das reprises de História de Amor (1995) em Edição Especial e de A Viagem (1994) no Vale a Pena Ver de Novo – as simpaticíssimas Olga e Maroca.
Entra e sai

O elenco de Dona Xepa passou por várias modificações. Nívea Maria, relacionada a Rosália num primeiro momento, acabou deslocada para Helena. Porém, a atriz, então ligada às figuras boazinhas, como a Carolina de A Moreninha (1975), pediu a Braga para seguir com a filha arrivista de Xepa.
Helena foi entregue a Elizabeth Savala, que, grávida, desfalcou o time. Denise Bandeira, em alta no cinema, recusou o convite para o tipo, que chegou a ser entregue a Fátima Freire antes de cair nas mãos de Ísis Koschdoski – destaque da antecessora À Sombra dos Laranjais. Fátima acabou convocada para Heloísa.
A escalação inicial contava com Roberto Pirillo na pele de Daniel, pretendente de Rosália, e Edwin Luisi como Edson, filho de Xepa e namorado de Helena. Com Pirillo recrutado para Locomotivas, folhetim contemporâneo das 19h, Edwin assumiu Daniel. Tony Ramos, egresso da Tupi, foi cogitado para Edson, mas acabou estreando na Globo às 20h, em Espelho Mágico. Marcos Paulo abdicou do papel, interessado em migrar para a direção, o que só ocorreu no ano seguinte, com Dancin’ Days. Assim, Reynaldo Gonzaga ganhou Edson.
Reynaldo já estava no elenco, como Ivan, jovem ambicioso interessado na fortuna de Heloísa. João Paulo Adour ficou com o personagem, deixando o pobretão Ronaldo, amigo de Edson, para Nardel Ramos, talento revelado no Moacyr TV, programa conduzido por Moacyr Franco nas tardes de domingo.
A perua Glorita Pires Camargo foi oferecida a Renata Fronzi, que não conseguiu negociar com Paulo Araújo, então diretor da linha de shows, a sua saída do humorístico Planeta dos Homens. Daisy Lúcidi não pode conciliar a novela com o trabalho na Câmara dos Vereadores. Ana Lúcia Torre foi quem deu vida à figura.
Outras mudanças envolveram Cyl Farney, que, sem um acordo financeiro com a casa, deixou o milionário Henrique Becker, pai de Heloísa, à disposição de Sérgio Britto, Ênio Santos e Antônio Patiño. Ênio respondeu por Henrique e Patiño herdou Raul, marido de Glorita, após a saída de Gilberto Martinho da equipe por conta de um problema renal. Ainda, Cléa Simões substituída por Vanda Costa, a Creuza. O elenco provisório contou ainda com Rosita Thomaz Lopes.
Um novo tempo

Dona Xepa estreou numa terça-feira, 24 de maio, por decisão do Departamento de Mercadologia da Globo. A coluna Por Dentro da TV, assinada por Hildegard Angel no jornal O Globo, revelou que, de acordo com os estudos, a motivação e a receptividade do público eram maiores no segundo dia útil. O esquema, já adotado na antecessora À Sombra dos Laranjais, se repetiu na trama seguinte, Sinhazinha Flô. O mesmo se deu às sete, com Locomotivas e Sem Lenço, Sem Documento, e às oito, Espelho Mágico e O Astro.
‘Xepa’ reinaugurou alguns dos estúdios da Globo atingidos por um incêndio em junho de 76. Com os ambientes devidamente reformados, a emissora não precisou recorrer a aluguéis ou empréstimos – a TVE, hoje TV Brasil, cedeu espaço para as produções globais das 18h durante a reestruturação.
Debate nas telas e nos palcos

Em entrevista ao jornal O Globo, Gilberto Braga adiantou a intenção de, com Dona Xepa, ir a fundo na discussão sobre pais e filhos:
“O meu objetivo é manter o espírito da peça e a problemática de Xepa com os filhos, questionando até que ponto os filhos têm que retribuir os sacrifícios que os pais fizeram por eles”.
A censura do regime militar, contudo, acabou interferindo nos trabalhos. Como exemplo, a discussão entre Helena e o pai Saraiva (Fregolente), antes do infarto fulminante deste, vetada pelos censores.
Em dado momento da narrativa, Edson se envolve, com Otávio (Cláudio Cavalcanti) e Regina (Ângela Leal), na montagem da peça Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen. Segundo Gilberto, a temática do espetáculo remetia à do folhetim.
“Tem ligação com os problemas que estão no âmago da novela que estou escrevendo: educação errada, pessoas podadas e com dificuldades de se abrirem para o mundo e para elas mesmas”, pontuou em depoimento à revista Amiga.
Promoção relâmpago

Os altos índices de audiência de Dona Xepa – 46,6 pontos de média final na Grande São Paulo – levaram ao convite da Globo para que Gilberto Braga assumisse, de imediato, a faixa das oito. O autor passou a se dedicar à sinopse da empreitada no horário pós-Jornal Nacional antes mesmo da conclusão de ‘Xepa’.
Entretanto, um deslocamento no ombro direito obrigou Gilberto a alterar o ritmo de trabalho e a emissora a modificar seus planos. Enquanto ele ditava os capítulos da trama que estava no ar para uma datilógrafa, a Globo entregava a substituta de Espelho Mágico para Janete Clair – que concebeu O Astro, um dos maiores sucessos do período.
Braga foi acionado posteriormente para adaptar, em caráter de urgência, um texto de Érico Veríssimo para 22h. O cancelamento de Que Rei Sou Eu?, projeto de Bráulio Pedroso rechaçado pela censura, levou ao chamado. No fim das contas, a missão de substituir Nina, de Walter George Durst, coube ao próprio Bráulio, com O Pulo do Gato (1978), enquanto Giba ficou à espera da conclusão de O Astro para lançar Dancin’ Days.
Resgates

Em 79, a Globo cogitou exibir um compacto de Dona Xepa às seis, entre o término de Memórias de Amor e o início de Cabocla – a primeira encurtada por conta da baixa repercussão; a segunda com as gravações atrasadas. A proposta foi cancelada devido ao avanço nos trabalhos de Cabocla. ‘Xepa’ passou a ser candidata à substituta de Carinhoso (1973) no horário dedicado às reprises, 13h30; Estúpido Cupido assumiu a vaga.
Coube a Dona Xepa inaugurar o Vale a Pena Ver de Novo, em maio de 80. O título, então utilizado para reexibições de jornalísticos, foi vinculado à faixa das 13h30 para que o público não confundisse os repetecos das tardes com os do TV Mulher, feminino lançado em abril do mesmo ano que trazia o quadro Novela, também dedicado aos sucessos do passado.
Nas três primeiras semanas, a reapresentação de ‘Xepa’ no ‘Vale a Pena’ foi exibida às 16h, logo após a Sessão da Tarde, antes da Sessão Aventura e dos infantis Globinho e Sítio do Picapau Amarelo. O folhetim passou para o horário já associado às reexibições, 13h30, em 26 de maio, dia da estreia da nova novela das seis, Marina.
O repeteco de Dona Xepa deixou de ser exibido em algumas ocasiões, como em 30 de junho, devido à transmissão da missão celebrada em Brasília pelo Papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil. Também na última quinzena de julho, por conta da cobertura dos Jogos Olímpicos de Moscou.
Antes da passagem pelo Vale a Pena Ver de Novo, ‘Xepa’ foi revista no Festival 15 Anos. O episódio de 28 de janeiro de 80 contou com a apresentação de Yara Cortes. O tempo de arte do especial no dia foi dividido entre a novela de Gilberto Braga e O Casarão (1976), de Lauro César Muniz, também estrelada por Yara.
Em 1990, Ana Maria Moretzsohn, Maria Carmem Barbosa e Ricardo Linhares usaram a adaptação de Gilberto Braga como base para Lua Cheia de Amor, que a Globo exibiu às 19h. Já Dona Xepa da Record, de 2013, foi desenvolvida por Gustavo Reiz em cima da peça de Pedro Bloch.
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